sábado, 25 de agosto de 2007

Abelha Uruçu e APA de Baturité


No Ceará existe um verdadeiro “oásis” implantado perto de Fortaleza e constituindo uma ilha de Mata Atlântica que difere do lugar-comum que é o ecossistema da caatinga ao redor. Esta “ilha” guarda características únicas, só encontradas em outras regiões serranas do Estado, cabendo a observação e uma posterior pesquisa para sabermos se todo o território nordestino um dia já foi uma imensa e contínua floresta Atlântica que emendava-se à Floresta Amazônia a partir do Maranhão, e que devido a fatores climáticos ou mudanças climáticas a vegetação que hoje conhecemos como fazendo parte da caatinga seja uma adaptação às novas condições climáticas na região, sobrando nas regiões de maior altitude como é o caso do Maciço de Baturité, ou a Zona da Mata que vai pelo litoral desde o Rio Grande do Norte até a Bahia, como em outras poções no Nordeste, regiões com um clima ameno e uma vegetação característica de áreas mais úmidas. Mas são conjecturas que necessitam de uma maior pesquisa. O fato é que existe este território com uma área de largura média de 22km e uma área total aproximada de 1.300 quilômetros quadrados, altitudes que ficam na média de 600 metros, com características únicas no Estado, e vejamos o que diz o Órgão do Meio Ambiente estadual:
“O Maciço Residual de Baturité (popularmente conhecido como Serra de Baturité) configura-se como um território de exceção no contexto da quase absoluta semi-aridez do Ceará. Sob o ponto de vista climático, na área serrana, a incidência de totais pluviométricos elevados (Média de 1500 mm anuais) permite incluí-la como uma das mais úmidas do Estado. Esse fato é oriundo da ação combinada da altitude e exposição do relevo face aos deslocamentos de massas de ar úmidas. De modo geral a temperatura é atenuada pelos efeitos da altitude, com variações térmicas não significativas ao longo do ano. Via de regra a temperatura oscila entre 19 e 22º C.
A área em questão constitui um dos mais expressivos compartimentos do relevo elevado do Ceará, os chamados relevos residuais resultantes dos processos erosivos ocorridos na era Cenozóica que envolve o período terciário, o qual teve início no Paleoceno, há quase 70 milhões de anos e terminou no Quartenário (Holoceno e Pleistoceno), período mais “recente” na escala do tempo geológico, iniciado há um milhão de anos, quando ocorreram as mais severas eversões (desmoronamentos) do pavimento nordestino até tornar-se desgastada a depressão sertaneja atual.
Tais características climáticas e geomorfológicas possibilitaram a evolução de uma complexa cobertura vegetal, com características gerais de floresta tropical úmida, e atualmente fazendo parte do Complexo Florestal da Mata Atlântica (Workshop Mata Atlântica do Nordeste, 1993 – Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal) a qual abriga uma rica biodiversidade Fito – faunística, onde pode-se encontrar espécies tipicamente Amazônicas (Ex: Surucucu - Pico - de – Jaca/ Lachesis Muta), assim como da Mata atlântica (Ex: Guaramiranga/Pipra Fasciicauda). Vale ressaltar que devido ao isolamento físico provocado pelas características climáticas e geomorfológicas da região, a APA DA SERRA DE BATURTÉ apresenta um alto grau de endemismo de espécies (espécies que só ocorrem nesta região), representando um verdadeiro banco genético de nossa biodiversidade”. (http://www.semace.ce.gov.br/biblioteca/unidades/APABaturite.asp)

Este endemismo é que me chama a atenção, pois tenho visitado a região há anos e no tempo em que estava mais ligado à pesquisa e criação de melíponas, sabia que esta região comportaria um grande número de espécies e sub-espécies, fato que verifiquei, pois existe a Urucu (Melípona scutellaris) encontrada e sendo uma espécie comum à Zona da Mata, assim como a Jandaíra o é no sertão. Mas, apesar de já ter encontrado criações e criadores com tal abelha, por saber que apesar da região ser relativamente preservada, o que acontece devido em grande parte ao fato da região ser em sua maioria composta de sítios nos quais os seus proprietários só os utilizam, em sua maioria, como locais de veraneio e descanso como me foi relatado, mas podemos especular que por ser uma região relativamente pequena em área e que os “meleiros” ou caboclos da região atuam sobremaneira, temos que existe esta espécie isolada, endêmica e que pode ser alvo de uma extinção futura se medidas orquestradas por ambientalistas, meliponicultores e interessados no assunto não se dispuserem para o fato, pois sei que esta região foi transformada em APA desde 1990, mas as intervenções humanas na região cedo ou tarde se tornarão mais abrangentes e podemos vislumbrar que num futuro próximo esta abelha não seja mais encontrada com tanta facilidade, assim como aconteceu com a Jandaíra no sertão, onde a caatinga sendo queimada na busca de carvão para todo tipo de empresa que necessita deste combustível para as suas fornalhas destroem o habitat e “a casa”, ou seja, as árvores que dão guarida a tais abelhas sertanejas. E a urucu, como demais espécies encontradas nesta região serrana, como a Canudo Torce-Cabelos que já postei fotos anteriormente, correm um risco ao tornarem-se suas populações escassas, mesmo porque no Ceará, ao contrário do que ocorre na Zona da Mata, tradicionalmente o mel de Jandaíra é mais procurado e as outras melíponas só tem interesse nos locais aonde aparecem e por isso mesmo, afora alguns criadores, a maioria procura por um consumo omediato, feito no local pelos próprios "meleiros". E as Uruçus estão isoladas de qualquer contato natural de outros de sua espécie e, portanto, sofrerá o que o Dr. Warwick Kerr, geneticista brasileiro que brada há anos que, num meliponário é necessária a manutenção de pelo menos 44 colônias de uma mesma espécie para que os cruzamentos proporcionem uma renovação genética. Vejamos o que ele diz nesta ementa de uma projeto de pesquisa exposto na Internet:

MONITORAMENTO DOS ALELOS SEXUAIS XO EM UMA POPULAÇÃO FINITA DE Melipona scutellaris (APIDAE, MELIPONINI
“As descendentes de uma amostra de 22 colônias de Melipona scutellaris (Apidae, Meliponini) da floresta de Lençóis, BA (Brasil), mantidos em Uberlândia, MG, onde elas não ocorrem naturalmente, foram monitoradas quanto ao número de alelos xo remanescentes nesta população finita, de maneira a se avaliar o efeito da introdução de material geneticamente ativo em populações pequenas e fechadas, bem como a viabilidade destas populações. Objetivou-se, também, aperfeiçoar métodos, que contornassem ou minimizassem o aparecimento de machos diplóides para serem usados em meliponários em perigo de extinção, em vista do número mínimo de colônias necessárias para manter 6 alelos xo (Kerr e Vencovsky,1982 e Woyke, 1980). Ao todo 401 colônias filhas foram produzidas artificialmente, usando-se 4 métodos de divisão. Foram amostradas 79 colônias, dentre as quais 12 apresentaram produção de machos diplóides. As amostras foram coletadas e analisadas segundo a técnica de Kerr (1987). Foram feitas, gradualmente, neste período, 30 introduções de rainhas fisogástricas oriundas de Lençóis (14), Piatã (13) e Catu (3). Os resultados iniciais apresentaram um declínio do número de alelos xo ao longo destes 5 anos de coleta, o qual foi gradualmente compensado com as introduções das rainhas fisogástricas. Os números de alelos xo de 1991 a 1995 foram respectivamente 14,00; 7,99; 7,33; 13,97 e 20,00. Com base nestes resultados, cuja média e erro foram estimados segundo a técnica Jack-knife, pode-se estabelecer algumas recomendações, para evitar a perda dos alelos sexuais, tais como: manutenção de meliponários com mais de 44 colônias, manutenção de áreas contínuas de floresta, ensinar os meleiros a transferirem as colônias para caixas de madeira ao invés de destruí-las; em meliponários com 30 a 40 colônias trocar 4 a 5 rainhas fisogástricas a cada ano e em meliponários com menos que 15 colônias, ao dividir a melhor, a colônia filha deve ser levada para outro meliponário ou mata nativa para cruzar”.
Portanto, tais abelhas só poderão escapar da sina destruidora e nem sempre premedita pelo homem se mais pessoas se dispuserem a criar estas melíponas em suas propriedades, tornando-se meliponicultoras com uma consciência, além da comercial, mas ecológica, para poderem manter esta espécie para as futuras gerações, que disporão de um ambiente de Floresta Atlântica tais quais as encontradas em outras regiões nordestina e brasileiras, guardando a mesma fauna e flora.

Um comentário:

Marcelo Brasil disse...

Ao pesquisar sobre ocorrência de Uruçu Nordestina no Ceará,achei essa matéria, só podia ser no blog do Rubio, um dos melhores Meliponicultores do Brasil,vc sabe muito. Merece todo o respeito.